Araquari – Quilombo Itapocu


Imagem: Ana Paula da Silva

O Quilombo Itapocu, em Araquari-SC, foi certificado como remanescente de quilombo em xxxx pela Fundação Cultural Palmares.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
FCP – Fundação Cultural Palmares

Nome Atribuído: Quilombo Itapocu
Localização: Distrito de Itapocu – Araquari-SC
Certificado FCP: Portaria n° 72/2019, de 10/05/2019
Resolução de Tombamento: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
[…]

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
Fonte: Constituição Federal de 1988.

Observação: Os quilombos foram localizados em áreas vazias do terreno urbano para segurança dos mesmos, buscando evitar crimes de ódio racial.

Descrição: O distrito de Itapocu integra o município de Araquari em divisão territorial datada de 1995. Segundo Carvalho (2012:21), Itapocu é ¨margeado ao norte pela BR-101 e ao sul pelo rio Itapocu, um dos principais afluentes da região,¨ que é a junção do Rio Novo e Rio Humboldt. Itapocu foi conhecida até o fim do século XIX como Porto do Sertão. Alves, Lima e Albuquerque comentam que ¨Porto do Sertão (Itapocu) constituía-se na época de 1854 num reduto de negros escravos e libertos, oriundos das regiões vizinhas e outras regiões do país, razão pela qual foi criada no povoado a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.¨ (ALVES et al. 1990:34). Tema que vou abordar no capítulo 2 desta dissertação.

Após esta breve descrição do distrito, sigo ao movimento migratório de vários integrantes desta comunidade para Joinville, cidade que faz divisa com Araquari e é considerada um importante polo industrial do sul do Brasil. Oferecendo inúmeras possibilidades de emprego, muitas pessoas das comunidades vizinhas foram seduzidas pela mudança de cidade ou mesmo de local de trabalho.

Em relação ao movimento migratório para a maior cidade29 do Estado, a pesquisa de Carvalho apresenta que ¨nas décadas de 1960 a 1980, […] Joinville teve o maior crescimento do Estado de Santa Catarina, com taxas de urbanização que variaram de 78,6% em 1960 para 94,3% em 1980.¨ (GUEDES e FINDLAY apud CARVALHO, 2012, p. 22). Sobre este momento veremos adiante como este acontecimento histórico se fez na comunidade de Itapocu, através da pesquisa de Aldair Carvalho:

Por volta da década de 1950, houve uma migração voluntária dos moradores de Itapocu para mais próximo das margens da BR-101, quando a principal atividade de Itapocu, que na época era formada de propriedades essencialmente agrícolas, sobretudo de plantações de mandioca (aipim) usada nos engenhos de fabricação de farinha que havia na região (FARIAS, 1998), fossem quase que abandonadas e seus agricultores migrassem para a região sul de Joinville para trabalharem nas fábricas, que estavam em franco desenvolvimento. […] Afirmo que essa migração para Joinville foi parcial, pois a ligação cultural daqueles migrantes com a região de Itapocu e Corveta, comunidades vizinhas no município de Araquari, onde está concentrada a maior parte dos negros, continuou. Ao citar os negros é necessário esclarecer que a migração não foi apenas das comunidades negras, entretanto sabe-se que os negros ocuparam, principalmente, a região sul de Joinville, onde estão os bairros Floresta, Fátima, Guanabara e Itaum. Itapocu manteve, até aproximadamente a década de 1960, a tradição de fazer bailes exclusivos para negros, além da tradição de realizar a Festa de Nossa Senhora do Rosário ou,
como era conhecida, “Natal dos Negros”. Essas manifestações permitiam que Itapocu se configurasse como um espaço simbólico para a memória das comunidades negras da região, sendo o único que mantém até hoje um grupo que simboliza a ligação com a cultura africana. (CARVALHO, 2012:22).

Como comenta o pesquisador, vemos que mesmo realizando este movimento em busca de colocação profissional que proporcionou para muitos estabilidade financeira e oportunizou melhores condições de vida, os participantes da comunidade e sobretudo do Grupo Catumbi, seguiram com suas memórias e resistência ao que diz respeito a sua prática musical e religiosa. Como já visto, o próprio capitão Lidiano Eufrásio é um forte exemplo desta situação. Itapocu, é considerado então um espaço de resistência da comunidade negra.

Citado na introdução dessa pesquisa, o distrito de Itapocu recebeu em 2019, o certificado da Fundação Palmares de ¨Comunidade Remanescente Quilombola¨ (CRQ), durante a festa de comemoração do Catumbi Mirim. O capitão Lidiano esclarece o significado desta festa: ¨A gente montou esta festa em 2000 para eles (crianças) começarem a entender o que é esta festa, o Rei e a Rainha. Colocamos as crianças para dançar com os mais velhos, para eles irem pegando; se for ver hoje 80% do grupo era do Catumbi Mirim. Tem dez integrantes dentro do grupo que foram reis mirim.¨ (informação verbal). Este ritual acontece em setembro, e este especificamente aconteceu no dia 27 de setembro de 2019.

A Fundação Palmares tem por finalidade promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. O Certificado é concedido após o envio de documentos das comunidades:

Ata de reunião específica para tratar do tema de Auto declaração, se a comunidade não possuir associação constituída, ou Ata de assembleia, se a associação já estiver formalizada, seguida da assinatura da maioria de seus membros; breve Relato Histórico da comunidade (em geral, esses documentos apresentam entre 2 e 5 páginas), contando como ela foi formada, quais são seus principais troncos familiares, suas manifestações culturais tradicionais, atividades produtivas, festejos, religiosidade, etc.; e um Requerimento de certificação endereçado à presidência desta FCP. Outros documentos podem ser agregados, a critério da comunidade solicitantes, como fotos, registros de nascimento e óbito, títulos de propriedade ou posse, pesquisas e reportagens. (FCP, Portaria FCP nº 98, 2007).

Após a comprovação da veracidade dos documentos30, a comunidade recebe o Certificado. O Capitão Lidiano do Catumbi (2019) responde com entusiasmo sobre os certificados que a comunidade recebeu, o CRQ acima e o de Patrimônio Cultural de Santa Catarina, também já mencionado nesta pesquisa:

Para nós foi uma vitória. Hoje a gente se defende através disso, mais oportunidades de recursos para a própria manifestação. Hoje nós estamos na luta para conseguir fazer a festa de dezembro. Coisas que nunca aconteceram na comunidade. Antes a gente só comunicava a igreja, agora a festa tem que ser como eles querem, e não como a comunidade quer, daí é onde entram estes certificados, para garantir. (informação verbal)

Relato através de meu Caderno de Campo uma breve descrição sobre a entrega do certificado e ressalto que em relação a esta região do Estado, as comunidades de Itapocu, Areias Pequenas (Araquari), Tapera (São Francisco do Sul) e duas joinvilenses, Caminho Curto e Ribeirão do Cubatão, receberem o certificado de comunidades remanescentes quilombolas, configura-se como um fator de total importância para a visibilidade e empoderamento das vozes periféricas e diaspóricas locais.

Abre um faixo de luz para esta região há tantos anos enraizada no discurso de branqueamento e de que aos negros e aos indígenas não havia um discurso possível de pertencimento. […]

Chegamos às 19:00 horas na Igreja Nossa Senhora do Rosário, eu e minha filha Clara. Da frente da igreja partimos em cortejo até a Casa do Império para buscar as coroas e as crianças. Voltamos em cortejo e entramos na igreja com o ritual do Grupo Catumbi de Itapocu. Após os cantos e danças realizadas pelo Grupo a missa católica iniciou. Ao final da missa o Grupo retornou para o meio da igreja e fez o fechamento cantando e dançando. O capelão Osvaldo Eufrásio realizou a finalização com a coroação do rei e rainha mirim. Neste dia foi entregue à Comunidade o certificado de Comunidade Remanescente Quilombola pelas mãos de Alessandra Bernardino, que fez um breve discurso junto ao capitão Lidiano Eufrásio” (CADERNO DE CAMPO, AUTORA).

Alessandra Bernardino foi uma das entrevistadas em 2019. Ela é pertencente a comunidade de Itapocu, é educadora e uma forte militante das causas negras da região. Filha do seu Antonio Bernardino, seu Risca, como é conhecido, que pertenceu dos 14 aos 65 anos ao Grupo Catumbi, Alessandra frequentou o ritual desde criança, cresceu e herdou o amor e a fé em Nossa Senhora do Rosário, unida a uma consciência do que significa a comunidade e o Grupo Catumbi como representantes de uma forte cultura afro-brasileira na região de Araquari e de Santa Catarina. A educadora implantou como projeto pedagógico na única escola estadual de Itapocu, chamada Titolívio Venâncio Rosa, o Catumbi Mirim. Na entrevista, Alessandra menciona o projeto, as premiações e o que ela, como integrante da comunidade, deseja para que possa permanecer vivo o ritual do Catumbi e a importância dele como símbolo da cultura negra no Estado.

Uma atividade pedagógica antirracista que participou de dois prêmios nacionais. Em 2012, foi selecionada entre as 30 melhores experiências pedagógicas contra o racismo do país. Em 2017, pelo Ministério da Cultura, no prêmio Leandro Gomes de Barros que envolveu 500 experiências, nós ficamos em segundo lugar. Para mim é muito importante também na minha vida profissional como integrante desta comunidade porque eu sei que aquelas crianças que hoje são jovens adultos, que já fizeram suas vidas, passaram por uma fase de um aprendizado antirracista, o Catumbi contribuiu e muito com isso. Por isso é importante trabalhar esta questão local, numa visão global. Quando eu trabalho o Catumbi na escola, eu trabalho o sagrado em primeiro lugar, trabalho contra o racismo, apresento a história de resistência do grupo que já enfrentou muitas coisas e continua enfrentando. Nossas crianças precisam conhecer esta história para compreender que a resistência está em nós. E faz prevalecer a nossa africanidade dentro deste Estado que é europeu. O Catumbi, para Itapocu, reforça e ressignifica, legitima a presença negra no nosso Estado, por isso quero que ele dure mais 200 anos, é como se fosse uma parte de mim. (informação verbal)

Compreendo que além do projeto pedagógico ser incorporado na educação do distrito de Itapocu, fortalecendo e educando a comunidade a se reconhecer e respeitar sua própria cultura, o ritual também iniciou o processo da realização da festa em setembro para as crianças, como comentou o Capitão Lidiano. Assim, o projeto Catumbi Mirim se faz presente não somente no ritual com as crianças, mas também integra um projeto educacional no distrito de Itapocu.
Fonte: Ana Paula da Silva.

Comunidades Quilombolas: Conforme o art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”

São, de modo geral, comunidades oriundas daquelas que resistiram à brutalidade do regime escravocrata e se rebelaram frente a quem acreditava serem eles sua propriedade.

As comunidades remanescentes de quilombo se adaptaram a viver em regiões por vezes hostis. Porém, mantendo suas tradições culturais, aprenderam a tirar seu sustento dos recursos naturais disponíveis ao mesmo tempo em que se tornaram diretamente responsáveis por sua preservação, interagindo com outros povos e comunidades tradicionais tanto quanto com a sociedade envolvente. Seus membros são agricultores, seringueiros, pescadores, extrativistas e, dentre outras, desenvolvem atividades de turismo de base comunitária em seus territórios, pelos quais continuam a lutar.

Embora a maioria esmagadora encontrem-se na zona rural, também existem quilombos em áreas urbanas e peri-urbanas.

Em algumas regiões do país, as comunidades quilombolas, mesmo aquelas já certificadas, são conhecidas e se autodefinem de outras maneiras: como terras de preto, terras de santo, comunidade negra rural ou, ainda, pelo nome da própria comunidade (Gorutubanos, Kalunga, Negros do Riacho, etc.).

De todo modo, temos que comunidade remanescente de quilombo é um conceito político-jurídico que tenta dar conta de uma realidade extremamente complexa e diversa, que implica na valorização de nossa memória e no reconhecimento da dívida histórica e presente que o Estado brasileiro tem com a população negra.
Fonte: FCP.

MAIS INFORMAÇÕES:
UDESC
Mapa de Quilombos – Fundação Palmares
Bandeira, Borba e Alves
Ana Paula da Silva
Izabel Cristina da Rosa Gomes dos Santos


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