Joinville – Quilombo Beco do Caminho Curto


O Quilombo Beco do Caminho Curto, em Joinville-SC, foi certificado como remanescente de quilombo em xxxx pela Fundação Cultural Palmares.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
FCP – Fundação Cultural Palmares

Nome Atribuído: Quilombo Beco do Caminho Curto
Localização: Pirabeiraba – Joinville-SC
Certificado FCP: Portaria n° 70/2019, de 10/05/2019
Resolução de Tombamento: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
[…]

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
Fonte: Constituição Federal de 1988.

Observação: Os quilombos foram localizados em áreas vazias do terreno urbano para segurança dos mesmos, buscando evitar crimes de ódio racial.

Descrição: Situado na zona rural de Pirabeiraba (Joinville, SC, Brasil), o Beco do Caminho Curto tem provocado debates pela sua importância como patrimônio cultural, social e histórico da cidade de Joinville. Os contrapontos suscitados compõem a questão-problema que é chave para esta pesquisa, pois o processo que levou escravizados, libertos, livres e seus descendentes a se estabelecerem na região de Pirabeiraba questiona a concepção cultivada pela sociedade joinvilense de cidade tipicamente alemã. A construção dessa narrativa ligada à imigração alemã e a homogeneidade da narrativa proposta pela história oficial, somadas ao apagamento de sujeitos históricos e à presença de outros povos na região de Joinville, levam-nos a compreender as pesquisas atuais e os novos sentidos atribuídos à conjuntura histórica da presença negra em Joinville. Assim, busca-se problematizar historicamente a relação entre o trabalho escravo e a produção de açúcar em Joinville, de maneira especial no Beco do Caminho Curto, tendo em vista a historiografia local, que evidencia a presença de engenhos nas terras do Duque d’Aumale, nas imediações do rio Cubatão, na segunda metade do século XIX.

Isto posto, busca-se fundamentar reflexões partindo dos indícios sobre a história dos engenhos de açúcar, o trabalho negro escravo e a formação de uma comunidade remanescente de quilombos no Caminho Curto, bem como sua presença e protagonismo na história local e no patrimônio afro-brasileiro pertencente à comunidade quilombola. O percurso metodológico adotado neste estudo, para coleta histórico-documental das fontes primárias, baseou-se na análise qualitativa dessas evidências e de relatos de pesquisadores locais, por meio da história oral, que elucidaram a temática. Além do levantamento e da análise do Jornal Gazeta de Joinville são discutidas duas entrevistas realizadas pelo Projeto Beco do Caminho Curto, utilizando a metodologia da análise do discurso e da História Oral. O artigo faz parte do dossiê Jornadas Mercosul. Busca-se, neste texto, trazer o olhar da área de história em uma perspectiva passado presente para analisar a presença e a importância das comunidades remanescentes de quilombos em Joinville.
Fonte: Corrêa, Meira.

O Beco do Caminho Curto e a presença quilombola em Joinville: A história oficial de Joinville priorizou a concepção de uma cidade de alemães e a imagem dos trabalhadores europeus que a conduziram à prosperidade. Guedes (2007) atenta-se para essas representações, afirmando que “esse estereótipo do joinvilense loiro é reforçado em várias […] publicações e, principalmente, em material publicitário da cidade veiculado das mais diferentes formas” (GUEDES, 2007, p. 1-2). Apolinário Ternes, escritor e jornalista joinvilense, foi um dos grandes incentivadores dessa versão histórica de Joinville, dado todo o processo de colonização, e essas narrativas foram aceitas e tratadas como um fator verossímil na história da cidade. Ternes afiança, em sua obra sobre a colonização de Joinville, que o número de escravos em Santa Catarina era reduzido: “Em 1840 a população catarinense se limita a 67.218 habitantes, dos quais 12.580 de escravos e 54.638 de brancos e libertos” (apud GUEDES, 2007, p. 3).

Entretanto, para além da história oficial, que pode generalizar e omitir diversos fatos e percepções da história comum e local, Guedes (2007) analisou documentos que vão além daqueles produzidos pela administração da colônia, como cartas de sesmarias, atestados de óbito, registros de batismo e testamentos. Comparando registros de dados populacionais da Colônia Dona Francisca e de Joinville, entre o fim do século XIX e o início do XX, a autora destaca que houve falhas na computação de colonos, migrantes e seus respectivos escravos. Ela ainda salienta que, ao comparar esses dados (registros oficiais) com os dados eclesiásticos, nos quais se inferiam a quantidade de escravos de cada família, fica perceptível que a população escrava ĕ cava de fora das estatísticas, que compreendiam imigrantes que entravam na colônia ou saíam dela oficialmente por meio da companhia colonizadora. Dessa maneira, é possível concluir que a presença de escravos na Colônia Dona Francisca, considerando os dados e documentos não oficiais que a história contada ignorou, não era tão insignificante assim.

Releva notar que a ideia dos núcleos coloniais só surgiu no ĕ m do Império, pois predominava a visão de que eles estimulariam a fixação dos imigrantes à terra, a garantia de povoamento e o desenvolvimento agrícola para abastecimento das zonas urbanas. Em termos gerais, parte expressiva dos imigrantes seria direcionada à obtenção de mão de obra para as fazendas de café (MAKINO, 1971-1974); no entanto, era preciso povoar algumas regiões do Brasil como uma forma de assegurar as fronteiras. Para Carneiro (1950), somava-se à política imigrantista dos cafeicultores, impulsionada pela legislação abolicionista, a política orquestrada pelo governo imperial, que tinha como objetivo principal criar núcleos coloniais de pequenos proprietários. A ideia baseava-se nos projetos colonizadores, iniciados com D. João VI, com a fundação de Novo Friburgo.

No caso das colônias agrícolas do sul, ocupar de fato esse território foi considerado tanto um problema político de exercício do poder como uma forma de tentar minimizar a carestia de alimentos nas cidades. O resultado foram as inúmeras colônias construídas na Região Sul durante o Império. Ademais, o período seria marcado pelos discursos de desertos demográficos que não levariam em conta as populações indígena e africana na região. Exemplo disso é um artigo de 1877 da Gazeta de Joinville, um dos primeiros jornais da cidade publicados em português:

É destarte que temos, ainda mesmo nos lugares que mais populosos parecem, grandes porções de território inteiramente desertas, ao passo que não temos em parte nenhuma lugares que, segregando-se dos habitados, esteja, de todos sem casos: isto é, esses vácuos de população dão-se nos centros dos lugares povoados, ou, em outros termos, grande mal, o verdadeiro mal – é a raridade da população. Aqui, nesta cidade, capital de uma província de primeira ordem, quem atravessa a Estrada Nova, vasta artéria que corta diversas freguesias há de deplorar sem dúvida encontrar de um e outro lado vastos terrenos que nunca sustentaram a parede de um edifício (GAZETA DE JOINVILLE, 1877, p. 10).

Segundo Coelho (2011, p. 55), os negros em Joinville já se faziam presentes desde o período colonial, ou seja, anteriormente à imigração europeia para a região na segunda metade do século XIX. Mediante o estímulo da imigração de europeus em meados de 1850 a Santa Catarina, e propriamente a Joinville, é notório o impulso de fazer com que essas localidades se apropriassem das culturas e dos costumes dos países de origem dos colonos. Sendo assim, a população negra continuou à margem das políticas econômicas e sociais do período, que se voltaram prioritariamente para os imigrantes.

Por outro lado, mesmo que a legislação pensada para os núcleos coloniais proibisse a escravidão, os proprietários de escravos e os colonos valeram-se de várias estratégias para burlar a legislação, como a utilização dos escravos de ganho (CUNHA, 2008). Nesse sentido, assim como em outras regiões do Brasil, a Colônia Dona Francisca contou com a escravidão para o avanço dos espaços agrícolas, e a produção de açúcar e de aguardente ocuparia lugar de destaque nesse processo. Ou seja, compreender a importância do cultivo da cana-de-açúcar e da produção de açúcar é fundamental para a problematização da ocupação negra e do trabalho escravo em Joinville. O viajante e imigrante prussiano Theodor Rodowicz-Oswiecimsky, que chegou à região poucos meses após a fundação da colônia, destaca a cana-de-açúcar como uma cultura lucrativa: “A cultura da cana é considerada bom negócio, visto produzir, em 12 meses, uma boa colheita” (RODOWICZ-OSWIECIMSKY, 1992, p. 74).

Tem-se relatos de que há cerca de 130 anos existia beneficiamento da cana-de-açúcar em usinas na região do Beco do Caminho Curto. Nessa região há vestígios dessa história das populações negras em Joinville, pela presença de uma comunidade remanescente de quilombos que vive nesse espaço e também pelas estruturas dos antigos engenhos de açúcar. Contudo, dada a construção histórica, a colonização europeia na segunda metade do século XIX foi mais evidenciada no decorrer do tempo, fazendo com que se apagassem ou ĕ cassem em segundo plano registros das populações afrodescendentes e do seu trabalho nos engenhos de açúcar. “Desde o princípio, era do interesse das elites locais destacar em seus discursos a ideia de que a colônia-cidade foi construída pelo trabalho dos imigrantes germânicos, provando assim a sua superioridade em relação aos demais grupos” (CUNHA, 2008, p. 109).

O objetivo dos dirigentes da colônia era destacar o papel de liderança dos imigrantes germânicos na gestão e no progresso da região. Por isso os estudos sobre os núcleos familiares dos afrodescendentes foram colocados em segundo plano ou silenciados. De acordo com Cunha (2008, p. 115), “não interessava igualmente aos senhores o nascimento de filhos entre os escravos, pois além de não serem necessários em um sistema de pequena produção, causariam grandes despesas”. A construção da cidade teve a contribuição e participação da população afrodescendente. A importância de “examinar uma maior variedade de evidências” (BURKE, 1992, p. 14) e trazer para o primeiro plano os sujeitos que habitaram e habitam o Beco do Caminho Curto, e que trabalharam na produção de açúcar, se torna peça-chave para pensar a história de Joinville.
Fonte: Corrêa, Meira.

Comunidades Quilombolas: Conforme o art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”

São, de modo geral, comunidades oriundas daquelas que resistiram à brutalidade do regime escravocrata e se rebelaram frente a quem acreditava serem eles sua propriedade.

As comunidades remanescentes de quilombo se adaptaram a viver em regiões por vezes hostis. Porém, mantendo suas tradições culturais, aprenderam a tirar seu sustento dos recursos naturais disponíveis ao mesmo tempo em que se tornaram diretamente responsáveis por sua preservação, interagindo com outros povos e comunidades tradicionais tanto quanto com a sociedade envolvente. Seus membros são agricultores, seringueiros, pescadores, extrativistas e, dentre outras, desenvolvem atividades de turismo de base comunitária em seus territórios, pelos quais continuam a lutar.

Embora a maioria esmagadora encontrem-se na zona rural, também existem quilombos em áreas urbanas e peri-urbanas.

Em algumas regiões do país, as comunidades quilombolas, mesmo aquelas já certificadas, são conhecidas e se autodefinem de outras maneiras: como terras de preto, terras de santo, comunidade negra rural ou, ainda, pelo nome da própria comunidade (Gorutubanos, Kalunga, Negros do Riacho, etc.).

De todo modo, temos que comunidade remanescente de quilombo é um conceito político-jurídico que tenta dar conta de uma realidade extremamente complexa e diversa, que implica na valorização de nossa memória e no reconhecimento da dívida histórica e presente que o Estado brasileiro tem com a população negra.
Fonte: FCP.

MAIS INFORMAÇÕES:
UDESC
Mapa de Quilombos – Fundação Palmares
Bandeira, Borba e Alves
Corrêa, Meira


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