A Lida Campeira nos Campos de Bagé e do Alto Camaquã é um conjunto de atividades relacionadas ao manejo dos rebanhos e ao cotidiano dos trabalhadores do campo e de suas propriedades.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Nome Atribuído: Lida Campeira nos Campos de Bagé e do Alto Camaquã
Localização: Arroio Grande, Pelotas, Bagé, Hulha Negra, Herval, Aceguá (Brasil), Acegua (Uruguay), Jaguarão e Piratini
Abrangência: Regional
Livro de Registro de Forma de Expressão: Inscr. x, de 2022
Inventário: Vol. 1, Vol. 2 e Vol. 3
Descrição: Desde então, a equipe acessou a “área cultural” da Pampa (LEAL, 1997), por meio da pesquisa antropológica com os detentores dos ofícios, denominados como campeiros e campeiras, que vivenciam ou vivenciaram a lida na pecuária extensiva, em campos nativos, nas fronteiras platinas. São proprietários e proprietárias de terras – de grandes extensões, de médias, de propriedades familiares ou de uso comunitário, como no caso dos quilombos e das terras indígenas – e/ou peões campeiros, trabalhadores e trabalhadoras rurais, que desempenham ou desempenharam as atividades de doma, de pastoreio, de esquila, o ofício do guasqueiro, a tropeada, o artesanato em lã, a lida caseira, entre outros saberes e fazeres.
A lida campeira abarca uma série de atividades com relação ao manejo extensivo dos rebanhos e ao cotidiano das propriedades, configurando-se enquanto um modo de vida. Atenta-se para a noção de modo de vida para ressaltar o quanto as relações com os rebanhos ovinos, bovinos e equinos estão articulados com saberes cosmológicos para além dos humanos, mas, também, sobre os outros animais, as coisas e o ambiente. Um cotidiano que acompanha os ciclos da natureza e de vida e de morte dos animais; que conhece os períodos de chuva e de estiagem; que sabe a especificidade dos rebanhos; bem como reflete sobre as relações predatórias entre os animais do campo e do mato. Em suma, a lida exige de campeiros e de campeiras uma aprendizagem atencional, para “saber o que fazer” (INGOLD, 2010) diante de situações nas quais estão em risco a vida de humanos e de outros animais.
O sítio do INRC Lida Campeira, a região de Bagé, abrange o trabalho de campo realizado nos municípios de Arroio Grande, Pelotas, Bagé, Hulha Negra, Herval, Aceguá (Brasil), Acegua (Uruguay), Jaguarão e Piratini, por meio de relações que contemplam os caminhos das tropas, que percorreram o território colonial e imperial, levando e trazendo bens culturais para a lida; a criação de gado nas propriedades rurais do pampa; o transporte destes animais da campanha de Bagé para o abate nas charqueadas de Pelotas/RS, onde eram adquiridos, também, os escravizados para o trabalho nas estâncias.
Nossos interlocutores, em sua maioria, têm propriedade, ou campereiam, nos campos lisos, ao sul de Bagé, região característica do bioma pampa, marcados pela horizontalidade, de campos com ondulações suaves e riqueza de gramíneas. Porém, realizamos pesquisas etnográficas no Distrito de Palmas, em Bagé, na parte alta da Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã, com suas guaritas, aguadas, afloramento rochoso, peraus e penhascos. Tais diferenças se manifestaram, também, por meio de relatos em que peões que campereiam nos campos lisos e diziam ter dificuldade de se adaptarem à lida campeira nos campos dobrados.
A partir de 2016, a equipe do INRC iniciou a extensão da metodologia do IPHAN para inventariar os manejos nos campos de pedras do Alto Camaquã, que abrange os municípios de Bagé, Caçapava do Sul, Canguçu, Encruzilhada do Sul, Hulha Negra, Lavras do Sul, Piratini, Pinheiro Machado e Santana da Boa Vista, a partir de uma solicitação da Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC). A ADAC consiste em uma rede de associações comunitárias, que envolve cerca de 500 famílias, distribuídas em 25 associações, com o objetivo de construir e fomentar projetos orientados para o desenvolvimento territorial sustentável.
A experiência do projeto de pesquisa INRC Lida Campeira é ressaltada por esta região, localizada na Serra do Sudeste, ser considerada a mais empobrecida do Rio Grande do Sul, uma vez que não teve êxito dentro das propostas e dos modelos de desenvolvimento (BORBA, 2016). Porém, o discurso do Estado encobre que os campos do Alto Camaquã constituem a porção mais conservada do Bioma Pampa brasileiro, o que, devido ao manejo pelas populações tradicionais, às nuances da relação entre humanos e ao ambiente, produz efeitos na lida da pecuária familiar extensiva.
O INRC Lida Campeira está embasado na Antropologia e na Etnografia e resulta em oficinas, banners, exposições, artigos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, que buscam refletir sobre as diversas linhas que compõem o campo. O projeto têm etnografado temas diversos, mas relacionados, como a doma de cavalos, o pastoreio com cachorros, o pastoreio de cabras, o artesanato em lã crua, as relações de gênero na lida campeira, as relações raciais, as relações com o ambiente, que são desenvolvidos em pesquisas individuais e coletivas, realizadas pelo corpo discente e por pesquisadores parceiros que integram o INRC. Como as pesquisas apontam, a lida campeira é um processo dinâmico que envolve populações distintas, como pecuaristas familiares, quilombolas e populações indígenas, entre outras, invisibilizadas ao longo da formação histórica do Estado brasileiro (FARINATTI, 2018).
Em 2021, a equipe de pesquisa encaminhou ao IPHAN o Relatório Final do INRC Lida Campeira nos campos dobrados do Alto Camaquã, que objetiva subsidiar o Registro do bem cultural. Nesse sentido, em 2022 o projeto busca dar andamento à interlocução com os detentores e as detentoras da lida campeira, a partir da restituição do Relatório às comunidades pastoris do Rio Grande do Sul e do levantamento de ações de salvaguarda, com ênfase nas inovações, em conformidade com a Resolução nº 23-2019, que aprova a Política de Inovação da UFPel.
Logo, a restituição do INRC mostra-se fundamental, tendo em vista a necessidade de participação dos detentores e das detentoras nas questões que impactam no seu modo de vida e na salvaguarda do Patrimônio Cultural. Com isso, destacamos a necessidade de atentarmos para uma pampa diversa, seja do ponto de vista sociocultural, seja do ponto de vista ambiental, descrevendo os diferentes modos de vida em suas diferentes relações com os territórios e o ambiente que constituem os caminhos (e os descaminhos) das tropas, os caminhos da pampa.
Fonte: UFPel.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORBA, Marcos Flávio. Desenvolvimento territorial endógeno: o caso do Alto Camaquã. In: WAQUIL, Paulo; MATTE, Alessandra; NESKE, Márcio et al. Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento. Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 187-214, 2016.
FARINATTI, Luís Augusto. La Historia Agraria en el Sur de Brasil. Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana, v. 48, p. 174-206, 2018.
INGOLD, Tim. Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, v. 33, n.1, p. 6-25, 2010.
LEAL, Ondina. Do etnografado ao etnografável: o “sul” como área cultural. Horizontes Antropológicos, n. 7, p. 201-214, 1997.
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